Há algum tempo, tenho evitado caminhos que me trariam a esse endereço da internet. Um endereço que, na opinião de muitos, estaria abandonado. O fato é que fechar meus olhos, buscar alguma coragem, destrancar a porta e abrir as cortinas do estabelecimento não foi nada fácil. Como previsto por mim, as teias – e suas respectivas aranhas – estavam aqui, em seu lugar, tentando alimentar-se de palavras de incentivo de pessoas queridas. Tentativas, por sorte, em vão. Descobri que os açúcares dessas palavras são extremamente indigestos.
Mas a casa estava basicamente a mesma. Azul, da forma que havia deixado. Florbela e o velho Braga ainda repousavam sobre a caixa de som. Que saudade eu estava daqui. Que saudade sentia de mim.
Coloquei as malas no chão. Abri as janelas.
Meu último poema fitou-me, inquieto, e senti certo rancor em seu olhar. Sentei-me ao seu lado. Ele, finalmente, sorriu. Um feixe de luz externo invadiu o quarto e acariciou-me na mão esquerda. As paredes eram tão azuis! Pensei em voltar mais tarde, mas eu me sentia confortável demais para deixá-lo novamente.
Uma indagação do “Bisturi” perfurou a atmosfera de silêncio da sala. Ele percebeu que uma das minhas malas estava faltando e pensou que, talvez, eu a houvesse esquecido em algum lugar. Fiz que “não” com a cabeça, enquanto escolhia palavras pra explicar tal ausência. Logo vi que não precisava explicar mais. A mala “perdida” era a verde, ele notou rapidamente.
Eu havia deixado-a para trás, já que estava completamente vazia. Havia tanta coisa lá dentro! E como pesava! Mas a dor da perda já havia doído, e passara. Lembrei-me, vagamente, do gosto adstringente do fracasso. Mais uma vez perfurando o silêncio, a perturbação vinha, agora de mim,
num grito.
Levantei-me e, com um pano e uma escada, retirei as teias de aranha das arestas do teto, numa limpeza terapêutica. Com os ruídos do meu desce-e-sobe, acabei acordando o velho Braga, que dirigiu-se de volta à estante. Em ordem, era como eu estava, e, ainda melhor, às minhas ordens.
Fiz uma pequena mudança de espaço. A luminária foi parar no lugar do porta-lápis, que, por sua vez, cedeu uma vaga na mesa para o computador. No lugar onde ficava a mala verde, foi parar o meu violão.
Foi quando eu percebi que estava de volta. Minha tagarelice e todas as indecisões do mundo. Meu vício pela dança de salão, meu prazer em cantar. Meus cabelos longos.
Eu, a mesma de sempre. Com uma ressalva apenas: sem expectativas esverdeadas.